agronegócio não é sinônimo de segurança alimentar

3 razões pelas quais o agronegócio não é sinônimo de segurança alimentar

Participante de 26% do PIB do país, o agronegócio não é garantia de comida suficiente e de qualidade no prato da população brasileira, que volta a enfrentar a fome.

Imagine viver em um país em que, ao mesmo tempo que segue batendo recordes com o agronegócio, registra 55% da sua população enfrentando algum nível de insegurança alimentar. Imaginou? Infelizmente, essa não é uma projeção distópica, e sim um paradoxo da realidade brasileira. O aumento da fome, já verificada antes mesmo da pandemia de Covid-19, teve seu derradeiro empurrão ladeira abaixo com a maior crise sanitária mundial da nossa época, mas nesse mesmo cenário devastador, o Brasil foi o terceiro maior produtor de alimentos do mundo, e o agronegócio foi o único setor que cresceu no período. Por que, então, o setor autoproclamado “riqueza do Brasil” não é sinônimo de segurança alimentar para os seus cidadãos

(Foto: Elineudo Meira/Fotos Públicas)

Antes de explorarmos as três razões pelas quais o Agronegócio não é sinônimo de comida no prato, é importante definir o que significa segurança alimentar. De acordo com a  Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), a segurança alimentar é definida como “a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis”. Quando esses ideais são comprometidos, surge a insegurança alimentar, que pode ser classificada como leve, moderada ou grave. Se estiver no nível grave, a pessoa está experienciando a fome.

Apesar do agronegócio não ser isoladamente responsável pelo aumento da insegurança alimentar, ele poderia facilitar o acesso de alimentos em todo o mundo. Além disso, manobras políticas que almejam a sua lucratividade deixam de fora questões relativas à soberania alimentar e a erradicação da fome. Veja então, três razões pelas quais o Agronegócio no Brasil não é sinônimo de comida no prato de todos os brasileiros: 

  1. COMMODITY NÃO É SINÔNIMO DE COMIDA NO PRATO

Uma estimativa da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) aponta que o mundo produz hoje mais de 2,74 bilhões de toneladas de grãos, e essa quantidade seria o suficiente para alimentar a população mundial. Porém, o agronegócio é um modelo que não tem a perspectiva principal de alimentar pessoas, e sim de produzir mercadorias para exportação de algumas culturas, as famigeradas commodities, que são matérias-primas básicas produzidas em larga escala, negociadas mundialmente e com grande valor comercial e econômico. Essas mercadorias servem de base para a fabricação de outros produtos com maior valor agregado. 

Por exemplo, o Brasil é o maior produtor e exportador de soja, respondendo pela produção da metade da oleaginosa consumida globalmente. A safra nacional de soja em 2020/2021 foi estimada em 135 milhões de toneladas e bateu recordes de exportação em 2021, com 83 milhões de toneladas enviadas a outros países.

Pixabay

Nesse contexto, engana-se quem pensa que esse montante vai alimentar outras populações: conforme dados levantados pela AgroStat, das 135 milhões de toneladas de soja produzida pelo país, 12% foi exportada já processada como farinha e óleo, e os 55% dos grãos in natura produzidos e enviados para exportação também serão processados e utilizados para atender principalmente a demanda agropecuária – na engorda dos animais explorados na indústria alimentícia. Ou seja, apenas uma pequena parcela da soja in natura produzida nos 36 milhões de hectares de território brasileiro é destinada ao consumo direto das famílias brasileiras. 

Quando a soja chega na nossa mesa, geralmente está associada a alimentos processados e ultraprocessados, o que não contribui significativamente com a qualidade de nutrientes para um estado de segurança alimentar. Além disso, a soja e o milho são duas das culturas que mais utilizam agrotóxicos no Brasil, justamente para atender essa alta demanda da agropecuária, e estão intrinsecamente associadas a altos níveis de desmatamento. 

  1. INFLAÇÃO E ESTAGNAÇÃO DE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NÃO É SINÔNIMO DE COMIDA NO PRATO

Nesse contexto de maior lucratividade com a exportação de commodities, a produção de alimentos para o mercado interno é menos vantajosa. A produção nacional de arroz, por exemplo, tem permanecido estancada frente à elevação dos custos da indústria de alimentos durante a pandemia, à alta dólar e às baixas nas safras em decorrência de fatores climáticos, como as secas e geadas. Todos esses fatores justificam o aumento dos valores dos alimentos da cesta básica, o que deixa o acesso dos consumidores mais vulneráveis cada vez mais escasso. 

Foto: Alex Capuano/CUT/Divulgação

Além disso, a produção de carne utiliza uma parcela muito grande de território – com o pasto e as monoculturas – que poderia ser ocupado pela produção de alimentos diversificados. O Brasil é o maior exportador de carne bovina no mundo, e mesmo assim, 67% dos brasileiros cortaram o consumo de carne vermelha por conta da inflação, do desemprego e do empobrecimento. 

  1. DESMONTE DA AGRICULTURA FAMILIAR NÃO É SINÔNIMO DE COMIDA NO PRATO

Você sabia que o presidente Jair Bolsonaro vetou quase integralmente o Projeto de Lei (PL) 735/20? O projeto dispunha de importantes medidas emergenciais aos agricultores familiares do Brasil para mitigar os impactos socioeconômicos da Covid-19. Em uma canetada, o presidente vetou desde o auxílio emergencial a esses trabalhadores até a renegociação e adiamento de dívidas e linhas de crédito emergenciais.

Se por um lado  o presidente desvaloriza e desmonta políticas e programas de promoção da produção da agricultura familiar, por outro concede benefícios ao agronegócio, facilitando o acesso a créditos e financiando dívidas de grandes produtores rurais.

Foto: Agência Brasil

Esse enfraquecimento da agricultura familiar não é nada bom para a segurança alimentar, afinal a agricultura familiar ainda é responsável por garantir boa parte da alimentação da população brasileira. Dados da Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo (SAF) apontam que a agricultura familiar é responsável por 70% do que se consome no país, e diferentemente do que acontece no contexto do agronegócio, que prioriza a produção de commodities, na agricultura familiar o que predomina é a policultura, possibilitando pavimentar o caminho para a erradicação da fome (se com o apoio de políticas públicas).,

A insegurança alimentar é um grande desafio para o Brasil. Enquanto práticas que contribuam para a produção de diversidade de alimentos e a soberania alimentar não sejam aplicadas e asseguradas, teremos o aumento da fome. O agronegócio, pela sua potência inquestionável, deveria cumprir a máxima que diz “o agro brasileiro alimenta o mundo”, considerando a qualidade e o acesso aos alimentos, respeitando a democratização do uso de terras para outras produções, como as da agricultura familiar, e exigindo sempre uma distribuição justa de recursos. O agro só poderá ser considerado “pop” se for realmente pensado para a população. 

E aí, o que você acha? Deixe seu comentário e vamos ampliar este diálogo. 

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Com avanço de cepa da gripe aviária milhares de animais são abatidos

Sacrificar milhões de animais confinados em sistemas de produção para conter cepas de vírus da gripe aviária é um placebo para problema recorrente – e os animais não deveriam estar pagando com suas vidas. 

A humanidade parece não seguir o sábio ditado popular que diz  “é melhor prevenir do que remediar”. Vivemos nossas vidas com a pretensa segurança de que “para tudo tem remédio”, mas além disso não ser verdade, essa ideia afrouxa nossos esforços políticos na revisão e contenção de práticas humanas que comprovadamente suscitam o surgimento de diversas doenças como, por exemplo, a influenza aviária, conhecida popularmente como gripe aviária.

Desde o último trimestre de 2021, um novo surto de gripe aviária vem acometendo a Europa que soma, até a finalização deste texto, 950 criadouros contaminados. No início de janeiro de 2022 o Reino Unido registrou sua primeira infecção humana de gripe aviária da cepa H5N1, popularmente conhecida como a gripe do frango, uma das poucas cepas de gripe aviária que passam para humanos (por enquanto). Ela tem alta taxa de letalidade e já matou, desde 2003, 456 pessoas no mundo, metade das pessoas que foram infectadas, segundo dados da Organização Mundial da Saúde. Mas se é gripe do frango, por que ela afeta humanos? Veja a explicação da Médica Veterinária Patrycia Sato: 

Apesar de vários fatores contribuírem para a disseminação da influenza aviária e o surgimento de diversas variantes, como a migração natural de aves, a venda de animais silvestres vivos, o comércio global e o deslocamento internacional de pessoas, é inegável que a pecuária intensiva é terreno fértil para a propagação de doenças. A interação prolongada entre homens e outros animais nos sistemas de produção lotados em espaços diminuto, medidas de biossegurança negligenciadas, invasão contínua das terras agrícolas em áreas selvagens, e o uso indiscriminado de antibióticos são alguns dos fatores que tornam os sistemas de criação intensivos um campo minado para o surgimento de doenças. 

A contaminação laboral é um ponto preocupante, já que é no contato direto entre o animal que uma pessoa pode ser contaminada, e vice-versa. Nas aves, o vírus da influenza ​​é  eliminado nas fezes e nas secreções respiratórias e pode ser transmitido através do contato direto com secreções de aves infectadas, ou por  fezes,alimentos e água contaminados, além depermanecer por muito tempo no ambiente, podendo inclusive se espalhar por objetos (sapatos, roupas, equipamentos), tornando os humanos que trabalham nos galpões alvos mais propensos de contrair o vírus. 

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Ainda que H5N1 tenha baixa transmissibilidade entre humanos e ainda representa riscos baixos à saúde pública, quando um surto de gripe aviária acontece, outras milhões de vidas serão impactadas: as das próprias aves. A transmissibilidade entre elas é altíssima, e mesmo as que não morrem pela doença são abatidas, saudáveis ou não, para conter a disseminação do vírus. Ainda que a legislação permita esse tipo de manejo, o abate em massa de animais aborda apenas os sintomas do surto, não ataca a raiz da questão, fere o bem-estar animal (já que dificilmente o abate humanitário será aplicado) e não sugere o enfrentamento necessário para prevenir outros surtos. 

E o que mais parece alarmar a indústria e os governantes é o prejuízo econômico que a contaminação poderá causar, como restrições comerciais,  perda de toneladas de carne e até a recusa das pessoas em consumirem esse tipo de alimento. Apesar dessas serem preocupações importantes dentro do aspecto socioeconômico, por que as imagens de milhares de animais sendo descartados – as verdadeiras vítimas da gripe até agora – não chocam?

Entre 2003 e 2007, mais de 20 países da Ásia, África e Europa registraram casos de gripe aviária em animais e estima-se que pelo menos 200 milhões de aves domésticas (de uma população mundial total de 10 bilhões) morreram ou foram abatidas como resultado do H5N1. Neste surto atual, notícias já apontam para números expressivos de mortes de aves. 

Por enquanto, as cepas de influenza que estão circulando no Brasil são a H1N1 e H3N2,. Porém, se não exigirmos sistemas de produção menos nocivos aos animais, ao meio ambiente e aos humanos, as variantes continuarão se adaptando e poderão implicar em epidemias e até pandemias altamente letais. Além disso, são necessárias atitudes menos antropocêntricas da nossa parte para os animais, que além de morrerem aos milhões diariamente em sistemas de produção para o consumo humano, são as maiores vítimas dessa gripe, e não os algozes. 

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