“Quando a gente é criança na aldeia, não tem alegria maior do que brincar no rio com as outras crianças: me lembro de competir e pular dos galhos das árvores direto no rio. Naquela época, pensávamos que o mundo todo estava ali, entre matas, animais, crianças e água.

Algum tempo depois, somos inundados com as notícias sobre dragas de garimpo, em frente às aldeias que ficam no território Yanomami. Dragas capazes de sugar e matar crianças. Diante dos fatos criminosos, pensei: se uma criança não pode nem brincar no seu território, seu lar, onde estaremos seguros?

Para nós, povos indígenas, nossos territórios são uma extensão de nossos corpos: não há diferença entre os seres vivos, todos fazemos parte da mesma ordem, em que nenhum ser vale mais que o outro. Para nós, não há diferença entre uma árvore, um humano ou uma pedra.

Estamos todos conectados.

No entanto, mais do que nunca, nossos territórios (e corpos) estão sendo ameaçados. Não apenas com o garimpo, mas também com o avanço diário da pecuária, que se desdobra em desmatamento, arrendamentos de terra e grilagem. Nossas terras estão sendo roubadas para criação de gado e monoculturas, como soja e milho. Nossa biodiversidade está sendo atacada pelo apetite voraz pela carne brasileira.

Precisamos lembrar que nossa floresta está perdendo toda sua vivacidade para a pecuária, que incentiva desmatamento, queimadas e contribui diretamente para as mudanças climáticas através da emissão de gases do efeito estufa na atmosfera. Segundo dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), só no mês de abril de 2022 foram 1.012 quilômetros quadrados perdidos, número 74% maior do que o recorde anterior para o mês. Além disso, percebemos na pecuária uma forma de tratamento aos animais que não condiz com nossa forma de enxergá-los: é uma indústria que os maltrata desde o nascimento até a morte.

É preciso entender a importância de nós, povos indígenas, para a proteção da natureza. 

 Nossa luta é constante para a demarcação dos nossos territórios, que nos dão a vida, que são nossas raízes, nossa própria terra, nossos frutos, nossa água e nossas sementes. Nessa luta por demarcação, muitos dos nossos foram e estão sendo dizimados. Dizimam nossos corpos, corpos que são extensão da natureza.

Em 2022, celebramos os 50 anos da institucionalização do Dia Internacional do Meio Ambiente, cujo tema deste ano é “Uma só Terra”. Nessa data, proponho uma reflexão: estamos realmente defendendo o meio ambiente? Se nossos povos, que são a própria floresta, que são “corpos-territórios” estão sendo ameaçados e mortos cotidianamente? Estamos realmente habitando uma só terra? Ou estamos completamente desconectados?

Nossa mensagem é urgente: nós, povos indígenas, somos os principais afetados pelo efeito das decisões de grandes líderes políticos e empresários. É preciso que nossos corpos territoriais ocupem todos os espaços de tomadas de decisões, para que realmente possamos viver em Uma só Terra.

E deixo aqui um chamado para dividirmos a responsabilidade dessa conta: se tudo que fazemos é político, a forma como nos alimentamos também é. É preciso nos questionar diariamente se nossas escolhas pessoais não estão custando a vida de povos indígenas, de animais e de todo o meio ambiente. Somos parte do problema e também da solução.

 Autoria: Samela Sateré-Mawé

Samela Sateré-Mawé

 Samela é uma jovem liderança na luta pelos povos indígenas. É uma das porta-vozes do povo Sateré-Mawé, comunicadora e ativista ambiental, além de estudante de Biologia, artesã e produtora de conteúdos para redes sociais diversas. 

Utiliza da internet como ferramenta de resistência para defender suas tradições ancestrais e amplificar a luta pelos direitos de povos originários.

 

@sam_sateremawe 

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