Maioria na proteção animal, mulheres de diferentes áreas assumem a linha de frente dessa batalha ao mesmo tempo em que enfrentam obstáculos relacionados a gênero
Desde a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, em 1978, temos testemunhado o franco desenvolvimento a nível global do ativismo que busca colocar em prática o pressuposto de que “todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência (…) a serem respeitados (…) e não serem vítimas de maus-tratos, etc”. Se por um lado é lugar comum afirmar que o movimento pelos animais, felizmente, cresceu, o que pouca gente reconhece é que seus líderes e agentes são, majoritariamente, mulheres, e que esse dado é significativo e valoroso na história desse ativismo.
Historicamente, mulheres têm fortalecido a duras penas a agenda animal, encarando a dupla opressão que atravessa seres de outras espécies e as suas próprias condições de gênero. Jane Goodall, primatóloga inglesa que ficou amplamente conhecida no documentário “Jane” (2017), foi a primeira mulher a ir para a África sozinha, ainda nos anos 60, para estudar o comportamento dos chimpanzés. Apesar de suas descobertas terem sido revolucionárias, ela enfrentou críticas sexistas da comunidade científica e midiática da época, e em uma matéria da Associated Press, ela foi retratada como “Loura esguia com mais tempo para macacos do que para homens”.
Os desafios enfrentados pelas mulheres defensoras da pauta animal, ambiental e/ou dos direitos humanos se intensificam dependendo de alguns marcadores sociais, como etnia, raça, classe, orientação sexual, entre outros. Pesquisa publicada pelo Instituto Igarapé em 2022 apontou que oito em cada dez defensoras ambientais sofreram violência – física ou moral – na Amazônia brasileira. Outro exemplo relevante é da psicóloga e zootecnista americana Temple Grandin, que enfrentou o machismo e ceticismo de homens na bovinocultura de corte nos EUA por ser uma mulher autista que defende o bem-estar dos animais explorados pela indústria alimentícia.
Essas interseccionalidades são efeitos do falho sistema patriarcal e antropocêntrico, que inferioriza e oprime a existência daquilo que não pertence ao gênero e sexo masculino, além de deslegitimar o sofrimento animal não humano. Sobre isso, Carol J Adams, ativista feminista-vegetariana e uma das maiores referências dessa linha de pensamento, escreveu em seu famoso livro “A Potícia Sexual da Carne” que “O patriarcado é um sistema de gênero que está implícito nas relações humanas/animais (…) e que portanto não podemos polarizar o sofrimento humano e animal, uma vez que eles se inter-relacionam”.
“Acredito que a proteção animal deve ser vista sob o prisma da interseccionalidade, portanto, nossas ações devem ser discutidas juntamente com temas que prezem pela justiça socioambiental e climática. Somente dessa forma podemos criar uma luta consistente e resiliente frente ao poder opressor do modelo de agronegócio latifundiário que impera no Brasil” – Defende a Co-fundadora e Diretora de Comunicação da Alianima, Sylvia Rodrigues.
A Alianima possui 83% de sua equipe constituída por pessoas que se reconhecem pelo gênero feminino, e esse caso reflete não só a preponderância do gênero no rol dos ativistas, como também expõe a realidade de que mulheres são a maioria no terceiro setor. Esse meio, que possibilita atuar com autonomia junto à sociedade civil, traz possibilidades que são negadas ou dificultadas pelas vias públicas ou privadas. Em entrevista realizada com as profissionais da Alianima, foi possível observar como isso se desenvolve na prática:
“Com 16 anos, eu decidi que queria ser médica veterinária e trabalhar em uma clínica ou hospital veterinário cuidando da saúde de animais de companhia, como cães e gatos. Essa visão começou a mudar quando, no meio da graduação, passei a cursar as disciplinas relacionadas a animais de produção, e ao visitar fazendas-escola fiquei extremamente frustrada com a forma que esses animais eram tratados, inclusive pelos meus professores e outros veterinários. No fim da graduação, conheci uma ONG que trabalhava para melhorar as condições de vida dos animais de produção e atuei com eles como estagiária até depois de me formar. Desde então, não saí mais do terceiro setor” – Relembra a Veterinária, Presidente, Co-fundadora e Diretora Técnica da Alianima, Patrycia Sato.

As profissionais revelaram ainda que já deixaram de ser contratadas por serem mulheres, que já foram tachadas de “românticas” ao falarem da proteção dos animais de produção e consideram que “em uma sociedade especista e machista defender os animais é remar contra a maré duas vezes”:
“Sempre que falamos que trabalhamos com proteção animal, a primeira coisa que vem à cabeça das pessoas é a proteção de cães e gatos. Muitos não imaginam que exista a proteção dos animais de produção. Além de muitos acharem bobagem, o agronegócio e a pecuária brasileira por muitos anos foram cenários dominados por homens e pelo machismo, fazendo com que muitos ainda pensam que as mulheres não sabem do que estão falando.” – Resposta da Zootecnista e Gerente de Relações Corporativas e Bem-estar Animal da Alianima, Maria Fernanda Martin.
Na introdução a causa, são plurais os caminhos e obstáculos percorridos por essas profissionais, mas em comum destaca-se que o pensamento crítico sobre a alimentação e o voluntariado serviram como molas propulsoras para estarem neste momento dedicando suas carreiras em prol dos animais:
“Decidi cursar Biologia muito por conta do meu fascínio por todas as formas de vida (…) Após a faculdade, iniciei o meu mestrado na área de Biologia Celular e Molecular e, no meio desse caminho, comecei a despertar para questões relacionadas ao impacto do consumo de alimentos de origem animal para o meio ambiente e para a vida desses seres, época em que eu decidi parar de consumi-los. (…) A essa altura, eu já trabalhava com experimentação animal em laboratório há quase 10 anos, mas não me identificava totalmente com a área e sentia a necessidade de fazer algo melhor pelos animais. (…) Durante essa trajetória, conheci pessoas incríveis que atuam em defesa dos animais, participei de congressos sobre nutrição e vegetarianismo, visitei um santuário que resgata animais da indústria, e passei a atuar como voluntária na causa animal. Mais tarde, viria a grata oportunidade de me juntar ao time da Alianima, o que me possibilitou unir uma das minhas maiores motivações pessoais com a atuação profissional.” – Relatou a Bióloga, estudante de Nutrição e Coordenadora de Relações Corporativas na Alianima, Leticia Lima.
Buscando adotar uma perspectiva não-antropocêntrica e embasada no pensamento científico para pautar as ações da ONG, que visam estabelecer relacionamento colaborativo com a indústria e consumidores, a fim de auxiliar a assimilação e implementação de melhorias na vida dos animais, as profissionais da Alianima geram um saldo positivo ao terem como suas aliadas outras mulheres, sendo elas de dentro ou de fora da organização, como conclui Sylvia Rodrigues:
“Vejo com grande satisfação como o movimento está se organizando e amadurecendo, o que pode ser percebido através das coalizões que formamos e as ações que são derivadas dessa cooperação que, não por acaso, possuem mulheres incríveis nos mais diversos cargos. Dentro da própria Alianima, me sinto imensamente satisfeita de ter ao meu lado companheiras potentes, que através de suas vivências individuais, contribuem para a diversidade de pensamento da nossa organização”.
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Maria Loverra, autora deste texto, é Gerente de Conteúdo para Redes Sociais da Alianima.