O relatório “Termômetro Animal”, desenvolvido pela ONG Alianima, afirma que, dentre os projetos considerados negativos, 61% tratam de animais de fazenda
Com o objetivo de compreender como os animais são abordados nas políticas públicas e como diferentes interesses e fatores influenciam essa agenda política, o relatório “Termômetro Animal”, lançado pela Alianima – organização sem fins lucrativos dedicada a promover melhorias de bem-estar animal nas cadeias produtivas –, apresenta um panorama sobre os principais temas relacionados à proteção e ao bem-estar animal apresentados no Congresso Nacional brasileiro em 2024.
Entre 02 de fevereiro e 15 de novembro deste ano, a Câmara dos Deputados apresentou uma quantidade expressiva de projetos de lei com os termos “animais”, “animal” e/ou “bem-estar animal” em relação ao Senado Federal. Enquanto a primeira casa legislativa contou com 244 projetos, a segunda apresentou apenas 36 – sendo 7 provenientes da aprovação de deputados para continuidade do processo legislativo.
A partir da consolidação dos projetos de lei e requerimentos, as propostas foram categorizadas em três aspectos distintos, sendo elas: caráter (positivo, negativo e neutro); categorias de animais abordados e relevância da agenda animal no texto. Em sua primeira edição, o relatório afirma que, apesar do alto número de proposições apresentadas, a análise do mérito aponta que há uma sobrerrepresentação de textos que tratam dos animais de companhia/estimação, cerca de 46%
Dos 244 PLs, 165 foram classificados como positivos, 56 neutros e apenas 23 negativos, ou seja, 68% dos projetos são positivos. Dentre eles, 100 dizem respeito aos animais de companhia/estimação, enquanto animais de produção/fazenda representam apenas 12, e silvestres/exóticos com 15. No que tange aos projetos negativos – geralmente relacionados ao reconhecimento ou incentivo a práticas como rodeios, vaquejadas e demais atividades relacionadas ao lanço, que explora animais como método de entretenimento, sem considerar a senciência e bem-estar desses indivíduos, além da flexibilização de legislações – 14 estão relacionados aos animais de produção/fazenda – o que equivale a 61% do total.
Foto: We Animals Media
“A discrepância apresentada nos números demonstra como os animais de produção estão localizados, em sua maioria, em proposições consideradas negativas. Isso mostra que entender a agenda animalista como homogênea acaba por essencializar as diferentes demandas e reivindicações. Essa lacuna compromete o debate das iniciativas de proteção e bem-estar dos animais de produção e silvestres”, ressalta Ícaro Silva, especialista em políticas públicas e advocacy da Alianima.
Em meio a esse cenário, aparecem alguns projetos de lei que tratam da melhoria, defesa ou proteção exclusivamente de animais de produção que merecem destaque. O relatório elenca quais são esses PLs que possuem a intenção de melhorar a vida dos animais utilizados na pecuária, por isso são classificados como positivos, como a inclusão do bem-estar animal na política agrícola, a proibição de exportação de animais vivos e a possibilidade de adoção de novas tecnologias na indústria que assegure boas práticas.
Já em relação à relevância em que os animais ocuparam nos projetos de lei, o “Termômetro Animal” aponta que em 123 eles foram os principais, em 50 foram secundários e em 71 houve apenas citação. Em sua maioria, os projetos de lei em que os animais são de principal e secundária relevância tratam dos animais de companhia/estimação. A partir do secundário, os números relacionados aos animais de produção/fazenda se tornam expressivos, o que sugere que esses textos não direcionam seu foco à agenda animalista, mas ainda podem impactar positiva ou negativamente essas espécies.
A agenda animal no Senado Federal
Segundo o levantamento, foram apresentados ou chegaram 36 projetos de lei ao Senado Federal em 2024, sendo sete vindos da Câmara dos Deputados. A classificação dos projetos de lei apontou para 20 considerados positivos, 4 negativos e 12 neutros, ou seja, 56% visam melhorar, assegurar ou proteger a situação e direitos dos animais. Outro destaque importante abordado no relatório é que, dentre os negativos, 75% dos projetos tratam de animais de produção/fazenda, e 1 se refere à silvestres/exóticos.
Assim como na Câmara, a maioria dos projetos legislativos positivos é voltada para os animais de companhia, enquanto nenhum aborda exclusivamente os animais de produção. Nesse contexto, observa-se o impacto de casos como o do cão Joca, das enchentes no Rio Grande do Sul e dos ataques de pitbulls, que têm se mostrado influentes na formação da opinião pública e na condução dessas discussões no âmbito político. “Não se pretende hierarquizar ou desaprovar esses projetos, visto que os avanços na proteção desses animais são ganhos para o movimento. Todavia, é necessário expandir para os demais, inclusive para silvestres/exóticos e os utilizados pela pecuária, reconhecendo que os animais não formam um grupo homogêneo”, salienta Silva.
Aspectos positivos: o que virou lei
Percebe-se que a maioria das novas legislações possuem um impacto negativo à agenda animal, mesmo que sejam leis que conferem títulos às cidades ou de expressão cultural, como rodeios e vaquejadas. No entanto, duas legislações demonstram ser positivas à situação e direito dos animais: a Lei nº 14.792, de 2024, que instituiu o dia 03 de novembro como o dia Nacional da Saúde Única, que tem como objetivo conscientizar a sociedade sobre a conexão entre a saúde animal, humana e ambiental; e a Lei nº 15.022, de 2024, que estabelece o Inventário Nacional de Substâncias Químicas. No texto, a realização de testes em animais deve ser o último recurso para determinar o perigo de uma substância química, após esgotar os métodos alternativos.
“Apesar dos avanços ainda tímidos, é importante destacar a criação de duas novas legislações. Contudo, o caminho continua sendo desafiador. É essencial desvincular o conceito de bem-estar animal de noções estigmatizadas e tratá-lo como uma questão transversal, integrando-o de maneira eficaz às políticas públicas, a fim de garantir a implementação de medidas concretas e robustas”, conclui o porta-voz da Alianima.
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