Nós, humanos, temos nos relacionado com outras espécies animais há séculos. Cientistas acreditam que os cães foram os primeiros a serem domesticados. Por meio de relatos arqueológicos, sugerem que há mais de 14.000 anos temos estabelecido com eles uma cooperação mútua para caça, proteção e companhia. E aproximadamente 12.000 anos atrás, teríamos começado a domesticar outros animais, como carneiros, para deles obtermos carne, leite e lã.
Desde então, o caráter exploratório dos animais pelos humanos foi se acentuando. A partir do entendimento básico de hereditariedade, o ser humano começou a cruzar animais com características e/ou habilidades desejáveis, no intuito de mantê-las ou aumentá-las nos descendentes, promovendo o surgimento de raças com aptidões específicas, como cães mais adaptados para caça, ou cavalos mais mansos.
Com o desenvolvimento da engenharia genética, desde meados do século XX, a seleção artificial tem sido altamente aplicada. Sobretudo em um cenário pós-Segunda Guerra Mundial, quando a produção de alimentos passou por um processo de intensificação para suprir uma população que voltava a crescer, a pecuária acompanhou a modernização agrícola, de modo a impulsionar ao máximo a produtividade. Dentre diversas tecnologias, a seleção genética foi uma forte aliada, uma vez que permitiu um crescimento acelerado dos animais, aumento na produção de leite, maior desenvolvimento de músculos para cortes de carne mais interessantes comercialmente, mais leitões nascidos por parto, entre outros.
As mudanças, mesmo que promovidas gradativamente, são exorbitantes. A produção de leite de algumas raças bovinas, como a Holandesa, mais que dobrou nos últimos 40 anos; as porcas, que antes geravam em torno de 7 filhotes a cada gestação, hoje dão à luz mais de 12 leitões que ganham muito mais peso em muito menos tempo, principalmente por maior desenvolvimento das áreas do lombo e do pernil; galinhas poedeiras que, de 15 ovos por ano, agora põem cerca de 300; e os frangos que, assim como os suínos, crescem muito mais rápido (até 3 vezes mais que o natural) e desenvolvem mais a musculatura de peito para atender o mercado.
Além do sofrimento causado aos animais, a justificativa do aumento da produtividade para alimentar uma crescente população humana é bastante questionável. Não apenas pelo fato da pecuária industrial promover drásticos impactos ambientais, mas também por ser um sistema de produção de alimentos extremamente ineficiente do ponto de vista energético: em média, para alimentar os animais criados para consumo, são usadas aproximadamente dez vezes mais calorias do que as contidas em sua carne. Portanto, as toneladas de grãos cultivadas, como a soja, o sorgo e o milho, necessárias para alimentar os bilhões de animais que são abatidos anualmente, poderiam ser destinadas de forma mais eficiente para alimentar diretamente a população humana. Fora que muitos desses produtos de origem animal não são economicamente acessíveis a todas as camadas sociais. Há muito gasto de energia, terras, água limpa, mão-de-obra, combustível para produzir e exportar/comercializar esses alimentos. E a aceleração da engorda dos animais não torna a atividade mais sustentável, visto que a indústria tende a produzir cada vez mais, e não a reduzir o seu impacto social e ambiental.
Dado esse conflito ético e ineficácia, a saída então seria frear esse suposto melhoramento genético, a fim de originar animais que crescem em um ritmo mais próximo do natural, o que reduziria muitos problemas de saúde e bem-estar. Aliado a essa medida, é preciso compreender que o consumo de produtos de origem animal deve ser gradativamente reduzido pela população geral, porque o planeta não comporta mais sucessivos recordes de produção, e os animais não deveriam ser submetidos a tantas manipulações excruciantes para atender um hábito (não uma necessidade).
A Alianima atua para reduzir as piores práticas da pecuária industrial, como o uso de linhagens genéticas de crescimento rápido, além do alojamento em celas e gaiolas, e procedimentos dolorosos rotineiros na produção animal.
Referências
APPLEBY, M.; SANDØE, P.; WEARY, D. M. Dilemmas in animal welfare. CAB International, 220 p.
CARVALHO, P. N. de. Da crise à abundância: Segurança alimentar e modernização agrícola na Europa no pós-Segunda Guerra Mundial. Revista História & Perspectivas, [S. l.], v. 31, n. 59, p. 141–154, 2019. DOI: 10.14393/HeP-v31n59p141-154. Disponível em: <https://seer.ufu.br/index.php/historiaperspectivas/article/view/49370>. Acesso em: 11 mar. 2022.
DAWKINS, M. S.; LAYTON, R. Breeding for better welfare: genetic goals for broiler chickens and their parents. Animal Welfare, v. 21, p. 147-155, 2012. Disponível em: <https://users.ox.ac.uk/~snikwad/resources/GeneticsAW.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2022.
DECUYPERE, E.; BRUGGEMAN, V; EVERAERT, N.; YUE LI; BOONEN, J.; DE TAVERNIER, J.; JANSSENS, S.; BUYS, N. E. The Broiler Breeder Paradox: ethical, genetic and physiological perspectives, and suggestions for solutions. British Poultry Science, v. 51, n.: 5, p. 569-579. DOI: 10.1080/00071668.2010.519121. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/00071668.2010.519121>. Acesso em: 11 mar. 2022.
FIGUEIREDO, E. A. P. Melhoramento genético de suínos – o exemplo americano. In: GENTILINI, F. P.; ANCIUTI, M. A. (Org.). Tópicos atuais na produção de suínos e aves. Pelotas: IFSul/Pelotas, 2013. p. 160-190. Disponível em: <https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/96727/1/final7179.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2022.
LEAR, J. Our Furry Friends: the History of Animal Domestication. Journal of Young Investigators, v. 23, n. 2, 2012. Disponível em: <https://www.jyi.org/2012-february/2017/9/17/our-furry-friends-the-history-of-animal-domestication#:~:text=The%20first%20animals%20to%20be,integral%20part%20of%20nomadic%20communities>. Acesso em: 10 mar. 2022.
MORAES, V. G.; CAPANEMA, L. A genética de frangos e suínos – a importância
estratégica de seu desenvolvimento para o Brasil. BNDES Setorial, v. 35, p. 119-154, 2012. Disponível em: <https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/1492/3/A%20set.35_A%20gen%C3%A9tica%20de%20frangos%20e%20su%C3%ADnos_P.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2022.
OLTENACU, P. A.; BROOM, D. M. The impact of genetic selection for increased milk yield on the welfare of dairy cows. Animal Welfare (pre-publication copy), v. 19(S), p. 39-49, 2010. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Donald-Broom/publication/228675305_The_impact_of_genetic_selection_for_increased_milk_yield_on_the_welfare_of_dairy_cows/links/5703a63d08aeade57a25a970/The-impact-of-genetic-selection-for-increased-milk-yield-on-the-welfare-of-dairy-cows.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2022.
RINCON, P. Dogs are humans’ oldest companions, DNA shows. BBC News website, 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/science-environment-54690458>. Acesso em: 10 mar. 2022.